O relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão ligado à Força Área Brasileira (FAB), indicou que o piloto do Cessna R182, envolvido no último acidente do antigo aeroporto Carlos Prates, em Belo Horizonte, não deveria voar. O médico tinha problemas de saúde e usava medicamentos controlados, o que não foi reportado às autoridades, e o impediria de voar. Ele morreu no local do acidente, enquanto a filha dele, que estava como ageira, sofreu ferimentos graves.

Segundo a investigação, o médico também deveria usar óculos com lentes de correção, mas no momento do acidente ele não usava o ório. O relatório, que não busca buscar culpados, mas enumerar fatores que possam ter contribuído para o acidente, indica também que o piloto ava por problemas pessoais, o que pode ter colaborado com algumas decisões equivocadas. 

O documento afasta qualquer problema mecânico na aeronave. O trem de pouso estava recolhido na segunda tentativa de toque na pista, já que o piloto arremeteu anteriormente. Segundo o Cenipa, o piloto não mantinha controle pessoal de horas de voo na sua Caderneta Individual de Voo. No documento digital, estavam registradas 254 horas e 16 minutos totais de voo e, aproximadamente, 4 horas no modelo do acidente, somente havendo registros a partir de sua habilitação IFRA, em 2005.

O exame toxicológico feito pela perícia indicou a presença de barbitúricos (sedativos e calmantes) na urina do piloto. A investigação foi informada que o piloto tinha histórico de epilepsia e estava em acompanhamento médico, inclusive com a utilização do medicamento primidona, um desoxibarbitúrico, cuja biotransformação hepática originava dois metabólitos ativos (fenobarbital e a feniletilmalonamida), “excretados na urina, dessa forma, justificando o resultado do exame toxicológico que indicava a presença de barbitúrico”.

Os registros médicos do piloto entregues à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ”apresentaram discrepâncias entre os diagnósticos de comorbidades e as medicações em uso”, segundo a investigação. Um teste ergométrico feito em março de 2022 pelo piloto indicava o uso de Exforge, HCT, Neblock, Zetia, Digesan e Pantoprazol. “No entanto, no Termo de Responsabilidade preenchido em 25 de março de 2022, não foram listadas as comorbidades/diagnósticos correspondentes à utilização dos remédios indicados no teste ergométrico. Geralmente, os pacientes que utilizavam esses remédios eram diagnosticados com hipertensão arterial, dislipidemia e patologias gastrointestinais. Na Ficha de Exame de Saúde Pericial, de 25 de março de 2022, constava apenas o uso de medicação hipotensora e uso de lentes para correção visual. Sobre o histórico médico, verificou-se que, desde a infância, o piloto sofria de casos de “crise convulsiva” e, em período anterior à ocorrência, havia procurado auxílio médico para epilepsia. O piloto também realizou um eletroencefalograma e recebeu o diagnóstico de epilepsia do lobo temporal esquerdo”, apontou a investigação. 

No entanto, a FAB afirma que o piloto não indicou nenhuma das comorbidades durante os exames de renovação do Certificado Médico Aeronáutico (CMA), documento essencial para quem deseja exercer atividades na aviação, como piloto ou comissário de voo, que constitui em exame de saúde pericial que atesta a aptidão física e mental de um indivíduo para exercer suas funções em aeronaves, visando garantir a segurança do voo. Entre os itens listados na legislação aeronáutica, um quadro de epilepsia impede a obtenção do CMA por não cumprir os requisitos neurológicos. Já os medicamentos tomados pelo médico também impediriam a certificação nos requisitos psicofísicos. 

Por ter o diagnóstico da necessidade de óculos, o piloto também deveria ter um óculos reserva. “A não utilização de lentes corretoras ou óculos por um piloto com essa indicação pode contribuir para uma dificuldade na leitura dos instrumentos de voo e das cartas de navegação, podendo gerar ilusões durante o voo, especialmente no pouso. É possível que essas ilusões também induzam a uma falha de julgamento por parte do piloto”, traz o relatório. Áudios obtidos pela investigação sugerem que o piloto “estava excessivamente calmo, inclusive com alguma letargia, dando a impressão de fala arrastada, o que pode indicar algum comprometimento cognitivo”.

Na análise de aspectos psicológicos do piloto, a FAB relatou que devido às comorbidades, ele optava por voar acompanhado de outros pilotos até 2018, quando ocorreu um incidente em um dos voos. A partir de então, familiares aram a exigir que fossem contratados pilotos profissionais para ocuparem a posição de piloto. Alguns comandantes que voaram com o médico relataram que ele era experiente e que precisaram intervir poucas vezes, mas um dos depoimentos indica que o médico se sentiu mal em voo, tendo o outro piloto assumido os comandos da aeronave. 

Alguns observadores descreveram que o piloto mencionava grande preocupação com problemas familiares e que nos meses que antecederam o acidente houve uma mudança de comportamento, com ele transparecendo estresse e impaciência que poderiam estar relacionadas ao seu estado emocional. 

Ao avaliar o acidente, o Cenipa entendeu que como profissional da medicina e sabedor das suas restrições, o homem “deveria ter deixado de exercer suas prerrogativas como piloto, conforme preconizava o Regulamento Brasileiros da Aviação Civil 67 (RBAC 67). “Além disso, o laudo pericial realizado e a análise dos destroços não identificaram a presença de lentes corretoras ou óculos, que deveriam ser utilizados conforme especificado em seu CMA. A ausência desses itens pode ter acarretado dificuldades de leitura dos instrumentos de voo, bem como a avaliação das referências visuais utilizadas, especialmente durante o pouso. Quanto aos aspectos psicológicos, o piloto estava enfrentando problemas pessoais que teriam influenciado negativamente o seu estado emocional. O estado emocional pode ter impactado na segurança de voo, afetando a capacidade de concentração e o julgamento do piloto, aumentando a propensão a falhas no processo decisório. Um piloto sob tais influências pode apresentar sinais de distração, ansiedade ou letargia, interferindo em suas funções críticas. A carga emocional pode resultar em lapsos de memória e na incapacidade de seguir procedimentos estabelecidos, levando-o a encurtar ou pular etapas essenciais nos processos de verificação e operação da aeronave. Isso pode ter comprometido seu desempenho na pilotagem da aeronave, agravado pelo uso de medicamentos, acarretando também a degradação de mecanismos cognitivos. A fala arrastada e a calma excessiva em momentos críticos, como o toque a 180m da cabeceira oposta ao pouso, podem indicar algum comprometimento neurológico, tendo como efeito o esquecimento da extensão do trem de pouso durante a segunda tentativa de pouso. A não realização de um procedimento de arremetida, ao efetuar o pouso excessivamente longo, a poucos metros da cabeceira oposta, apontou não somente uma falha no processo decisório, mas também na atenção, com redução da possibilidade de uma resposta adequada e disfunção no sistema de alerta”, concluiu o relatório.