Imagine a seguinte situação: o flerte colou, o encontro rolou e, agora, a noite parece se encaminhar para um final feliz. Enquanto, entre quatro paredes, a temperatura sobe, um pedido acontece: “apague a luz”. A situação não é incomum e, em alguns casos, acontece reiteradamente, causando estranheza. 

Foi o que vivenciou Ana Oliveira, 30. Durante quase um ano, ela se relacionou com um homem que, em todas as transas, fazia questão de estar no mais completo breu. “Eu sempre tive orgasmos com ele, que explorava meu corpo muito bem. Mas esse detalhe me causava desconforto, eu sentia que, por conta dessa regra, havia uma barreira entre nós”, assegura, atribuindo o comportamento a uma insegurança do então parceiro em relação ao próprio corpo. “Muito por causa desse tabu de que o pênis do homem tem que ser grande para que a parceira fique satisfeita”, comenta. 

O profissional da segurança pública Edmilson Ferreira, 39, também já teve experiências similares. No caso dele, as parceiras geralmente pediam que as luzes ficassem apagadas por vergonha e por temer julgamentos, pois imaginavam que os seus corpos não estavam perfeitamente adequados a padrões de beleza. Normalmente, elas demonstravam desconforto por algum indício de gordura ou pela presença de estrias e varizes. “Mas acho estranho quando a pessoa faz questão de ser no escuro, porque eu gosto de ver tudo”, confessa. “Em geral, eu sugiro pelo menos deixar a luz da TV ligada, para ter alguma noção do que está acontecendo”, complementa.  

A empreendedora Nalin Rodrigues, 26, junta-se ao clube dos que ficam desconfortáveis quando o sexo só acontece na penumbra. “Se a pessoa pede para apagar, eu aceito e respeito, mas, por mim, ficaria acesa”, confessa. “Não tenho esse pudor com o corpo e, no claro, acho que a gente consegue se perceber mais, consegue se ver e se conhecer melhor”, sugere. Já para a garçonete Sheila Vieira, 43, o importante é que ambas as partes estejam à vontade na hora h.

Mas será que a decisão de só fazer sexo na penumbra pode ser indicativo de algum tipo de problema? E, afinal, o que pode estar por trás desse comportamento? 

Insegurança costuma explicar o comportamento 

Na avaliação do psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres, quando deixa de ser uma opção e torna-se uma condição, transar no escuro pode, sim, ser indicativo de algum tipo de distúrbio, geralmente relacionado à autoimagem ou à culpa. “Quando a palavra ‘só’ está na frase, isto é, a pessoa só consegue fazer sexo se estiver no escuro, percebemos que há uma certa rigidez, que há uma regra, limitando a experiência sexual”, opina. 

“Provavelmente, justifica essa atitude a ocorrência de questões ligadas ao corpo e à autoimagem”, analisa. De acordo com ele, podemos estar falando de aspectos emocionais associados, por exemplo, ao medo de ser rejeitado e à insegurança em relação a questões físicas, como o tamanho do pênis, a presença de pelos, de gordurinhas localizadas e outras características lidas socialmente como imperfeições, como estrias e celulites. 

Avaliação parecida faz a também psicóloga e sexóloga Enylda Motta. “O que está por trás disso é o desejo de se esconder e, simultaneamente, a busca por segurança para viver a experiência erótica, pois muitos têm mais facilidade para se soltar quando estão no escuro”, opina. “Com luzes acesas, podem ter medo de julgamento, críticas e de não serem aceitas, se sentirem envergonhadas e inseguras. Portanto, o plano de fundo para o comportamento pode ser a baixa autoestima. E a consequência é que a pessoa deixa de viver o sexo plenamente ao deixar de exercer o estímulo visual e tudo o que está associado a ele, como a sensação de se sentir desejada pelos olhos do outro”, cita. 

Torres acrescenta que essa postura ainda leva à perpetuação de mitos e tabus em relação à sexualidade e ao corpo. “Se o sujeito não encara essas questões, ele vai continuar carregando-as”, sinaliza. O psicólogo aponta que, neste caso, a tendência é que a pessoa continue sofrendo excessivamente com a pressão estética – que sugere que precisamos ter corpos perfeitamente adequados aos padrões – e/ou com a ideia fantasiosa de que precisamos desempenhar papéis muito rígidos durante a transa. “Pode-se também perpetuar um certo pudor em relação aos genitais e ao sexo em si, que tende a ser nocivo para a experiência do prazer erótico”, diz. 

A psicóloga indica que, em casos mais extremos, que podem indicar inclusive a ocorrência de traumas, o tratamento psicoterapêutico pode ser indicado para que essa barreira seja, pouco a pouco, rompida. Uma estratégia que pode ajudar é, gradativamente, ir aumentando a iluminação até que essa deixe de ser uma questão na hora do prazer. 

Experiência pode enriquecer 

Ainda que o hábito de sempre fazer sexo na penumbra possa ser indicador de inseguranças e de outras questões íntimas, que merecem atenção, Enylda Motta e Rodrigo Torres concordam que, às vezes, desligar as luzes pode, sim, ser uma boa ideia. 

“É uma oportunidade para explorar outros sentidos, para além da visão, que acaba sendo supervalorizada e ofuscando outras sensibilidades. Então, no escuro, temos a possibilidade de prestar atenção a outras sensações, levando a um enriquecimento do nosso repertório sexual”, opina Enylda.  

Torres segue na mesma toada. “É muito disseminado o mito de que os homens são mais visuais, enquanto as mulheres se sentiriam mais estimuladas sexualmente por meio da audição. Mas isso não é, necessariamente, uma verdade. O que existe é a pouca exploração de outras sensibilidades. Portanto, o encontro erótico no escuro pode, sim, favorecer a investigação desses outros gatilhos para o prazer”, assinala.